Há mais de 30 anos ouvimos falar na recuperação ou pavimentação total da BR 319. Muitos interesses menores estão por trás desse tema. Governos de direita e de esquerda já destinaram verbas suficientes para resolver esse problema. Mas por que até agora essa estrada federal não foi concluída?
Em 1986 , o recém criado CONAMA instituiu a resolução de estudos de impacto ambiental para todas as obras públicas, uma vez que o Brasil se tornou consignatário do Tratado Internacional do Meio Ambiente. Essa resolução foi incorporada à Constituição de 1988. Isto é, estradas feitas antes dessa resolução , como a BR 174 não precisaram desses estudos para suas construções. Sabemos que a BR 319 foi inaugurada em 1976 e também não precisou desses estudos para ser construída. Mas por que hoje esses estudos são necessários para a recuperação da BR 319?
Assim como a Transamazônica, a BR 319 já foi tomada pelo mato em alguns dos seus trechos a ponto de que se façam novos estudos e regularizações fundiárias em seu entorno. Estradas estaduais e federais na Amazônia onde essas terras não tiveram regulamentações foram palco de carnificinas contra povos originários e contra os demais cidadãos que passaram a viver no entorno dessas estradas. Um exemplo claro é o que acontece no trecho do meio da BR 163, que hoje é palco de assassinato de lideranças indígenas que tentam resistir às atividades dos grileiros, posseiros e de garimpeiros ilegais tudo porque não houve demarcações de terras e regularização fundiária nesse trecho. O mesmo pode ocorrer na BR 319 caso os órgãos ambientais liberem esse trecho do meio sem as devidas regularizações e demarcações.
É preciso se atentar que os impactos ambientais acontecem mesmo com obras e recuperação em estradas já existentes, pois o ecossistema é modificado a ponto de gerar transtornos como doenças tropicais como malária, febre amarela e dengue em povos que moram no entorno. Sabemos que não há infraestrutura como hospitais nessas localidades e os povos desses lugares raramente são ouvidos. Muitas vezes sequer há energia elétrica nesses locais.
Recentemente movimentos em prol da pavimentação da BR 319 foram forjados e organizados, mas o que se vê é que a maioria deles são instrumentos de manipulação política para atender a interesses eleitoreiros e não interesses coletivos. Como exemplo , houve uma situação em que um ex- ministro dos transportes mandou a UFRJ fazer os estudos de impacto ambiental mas o IBAMA alegou que faltaram governança ambiental e estudos de campo por parte da empresa contratada pela UFRJ. Sabe – se que esses técnicos fizeram um ctrl c e ctrl v de um estudo de campo da Mata Atlântica e protocolaram no IBAMA. Se esses estudos fossem realizados em sua plenitude, conflitos como os que ocorreram em 2009 e 2017 em Humaitá e Lábrea , que resultaram em mortes e perseguição aos funcionários do ICMbio e IBAMA e o massacre ao povo Tenharim em 2009 teriam sido evitados, pois a regularização fundiária, a demarcação de terras iriam acabar com as ações dos posseiros e grileiros e diminuiria as ações dos garimpeiros ilegais.
O senso comum diz que devemos asfaltar a BR 319 a qualquer custo como se no entorno não houvesse cidadãos brasileiros. Historicamente, nem os governadores de Rondônia nem os Governadores do Amazonas se preocuparam em garantir a presença do estado com uma infraestrutura mínima para quem produz, para quem tem anseios na construção dessa BR e para aqueles que apenas querem ter a segurança da posse da terra.
Por outro lado, há interesses empresariais para que essa obra do trecho do meio não saia do papel. Porém o Rio Madeira, após a construção da hidrelétrica de Jirau deixou de ser um Rio navegável por navios de alto calado, mesmo assim existem trechos da BR 319 que são trafegáveis e não há interesse do governo federal de resolver os entraves do trecho do meio. A prova disso é o parecer técnico que exigiu a complementação do último estudo de impacto ambiental feito pelo DNIT, no qual o órgão exigia uma licença prévia para as obras do trecho do meio. Isto é, mais uma vez que esses estudos foram incompletos cujo IBAMA sugeriu ampla revisão e conclusão desses estudos apresentados.
É hora de separarmos quem realmente quer a resolução do problema e quem apenas diz que quer dar a solução. Pois de boas intenções o inferno está cheio. Essa obra deve ser de todos e para todos e não só de “alguns”. O trecho do meio geraria menos impacto se fosse pelo modal ferroviário. Essa obra precisa deixar de gerar dividendos políticos para poucos para que gere benefícios sociais para todos. Chega de demagogia , pois os povos da Amazônia merecem respeito!
João Lúcio Anunciação – Professor e Radialista
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